terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Luxúria Infantil.

Ele vem, desajeitado, tentando impressionar.
Certas noites, com cara de desprezo pra me convencer, pra tentar me aliciar, me seduzir.
Os poucos cabelos grisalhos, desalinhados, rosto alvo, porte ereto, comportado, pose de experiência, sorriso fácil.
Arfante, pára sempre no mesmo lugar, não sabe se anda ou se fica, mas disfarça e quase me faz acreditar.
Ele me olha, quando pensa que não o vejo, me desenha, quase até que estica o braço pra me tocar. Ele sabe que pode fazer isso se quiser.
Em certas noites, sentamos e falamos vagamente sobre nossas vidas, às vezes eu minto, outras invento coisas, mas ele em toda a sua suposta experiência, me descobre e ri. Nessas ocasiões, ele me olha ternamente, não tão nitido para não me encabular, para que eu saiba que de alguma forma ele se importa.
Penso, que nessas mesmas horas,ele abraça a nostálgica lembrança dos vinte e um. Me passa, nas mãos geladas, um sinal para que eu as segure para atravessar a rua, para que ele pegue a boneca que eu não posso alcançar, para que eu me cure de minhas doenças.
Penso e às vezes até me pego rindo sozinha. Me olho no espelho e não consigo constatar o menor vestigio de traços infantis ou inocentes. Mas me alegra muito, saber que talvez isso seja só parte de uma fantasia louca que ele criou. Isso torna tudo mais interessante.
Talvez na mente dele, eu não passe mesmo de uma menina, que ele odeia querer de um jeito louco e abstrato, que ele pensa iludir, como se estivesse quebrando o meu querido diário secreto.
E eu o quero. Quero que ele blasfeme se for preciso, quero que ele se afogue de modo que não haja ninguém que possa salvá-lo, quero que sucumba.
Faço de modo sorrateiro, para que ele note a minha passagem como um furacão, sorrio para que ele fique sem graça e por vezes, falo coisas obcenas para que ele acenda e entre em profunda combustão.
Então ele me olha, com os olhos brilhantes e carnivoros. E eu me sinto febril, incoerente e eroticamente bem quista. Os meus poros se dilatam, a vista embaça e tudo vai ficando ligeiramente suspenso. Mas eu nunca desisto.
Os mesmos olhos vão me seguindo lá longe e queimam-me as costas como tochas, tudo fica tão cheio de brumas e silêncio, que só consigo ouvir o salto de meu sapato bater desajeitadamente no assoalho.
Descontroladamente ele se aproxima, vem convulsionando em milhões de batimentos cardiacos. Vem pra perto, mais perto e cada vez mais perto. Prensa o meu corpo entre ele e a parede húmida de chuva.
"Não consigo respirar, não posso!"
Enfia as mãos sempre frias entre os meus cabelos, com cuidado para não me machucar. Respira com dificuldade perto o suficiente para que ele respire por nós dois.
"Não posso...Não consigo mais!"
Quando as minhas mãos finalmente puderam alcançar descompassadamente a sua nuca, os milimetros que se tornavam distância, morreram imediatamente.
E me beijou de um jeito bruto, com os lábios pressionando os meus com força, com fervor. Enquando à mim, gemia freneticamente de dor.
"E eu adoro essa dor, adoro."
Rezava mentalmente para que ele colocasse força, mais força até que os meus lábios se rompessem de sangue. As mãos dele apertavam a minha pele branca da cintura, de forma que o sangue não passasse mais por ali.
E então, pensando que fosse me quebrar em milhões de cacos, destruir minhas ilusões infantis, ele caminhou para o mais longe que seus pés permitiram e não voltou.
Sem alternativa, voltei para a neblina e caminhei até em casa, sentei-me com as minhas bonecas e no meu diário, risquei em rosa pink o nome dele.
Num papel da agenda telefonica haveria um outro nome, de alguém que acharia divertido sair pra brincar lá fora.


Por hoje é só.
Câmbio, desligo!

Um comentário:

  1. "E eu adoro essa dor, adoro..." uau, imaginei toda a cena na cabeça.
    e imagino o que vc imagina de cada homem que te olha rs...
    muito bom Yuh, vc devia criar contos de ficção tbm, sua narrativa é poderosa e intensa.
    bjo

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